12/11/2012
Representante comercial terá de devolver adiantamentos não repassados a fornecedor inadimplente.
 
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou decisão da Justiça do Ceará que havia aplicado o Código de Defesa do Consumidor (CDC) na solução de conflito entre uma clínica de tratamento de câncer e uma representante comercial, distribuidora de equipamentos de radioterapia. A clínica comprou um equipamento que acabou não sendo entregue, porque a empresa estrangeira que faria o recondicionamento da máquina faliu.

Seguindo jurisprudência consolidada do STJ, a Turma considerou que não há relação de consumo na compra de bens ou contratação de serviços que se destinem a incrementar uma atividade negocial, a menos que se verifique grande vulnerabilidade econômica ou técnica do adquirente – situação que os ministros não reconheceram no caso julgado.

Mesmo afastando a relação de consumo, a Turma acompanhou o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, para determinar que a Radiaton Representação e Comércio de Eletrônicos Ltda. devolva ao Centro Regional Integrado de Oncologia (Crio) os valores pagos como adiantamento e que não tenham sido transferidos à empresa estrangeira, além do valor recebido como comissão pelo negócio não concluído.

Acelerador linear de partículas

Em janeiro de 1999, a clínica de oncologia procurou a Radiaton com a intenção de adquirir um acelerador linear de partículas para tratar pacientes com câncer. O equipamento seria recondicionado pela JM Company, da qual a Radiaton era representante comercial no Brasil. O negócio foi fechado e o pagamento foi ajustado em US$ 320 mil, sendo US$ 200 mil adiantados e o restante na entrega do equipamento.

Do valor combinado como adiantamento, foram pagos US$ 160 mil à Radiaton e US$ 40 mil diretamente à empresa norte-americana. Porém, dois anos e três meses após o fechamento do negócio, a representante informou que a mercadoria não poderia ser entregue, pois a empresa norte-americana que recondicionaria o aparelho havia falido.

Por essa razão, sugeriu alternativas para viabilizar o adimplemento do contrato. Uma delas seria a aquisição de nova máquina para aproveitamento de peças, mas com custos mais elevados. A clínica não aceitou as propostas apresentadas e entrou com ação contra a representante comercial, pedindo restituição do pagamento e reparação de danos.

Em primeira instância, a Radiaton foi condenada a restituir o valor adiantado pela venda não finalizada do aparelho. O pedido de indenização por lucros cessantes, porém, foi negado.

As partes recorreram, mas o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) manteve a sentença de primeiro grau. Inconformada, a Radiaton recorreu ao STJ sustentando violação dos artigos 2° e 17º do CDC (Lei 8.078/90), pois ao comprar o aparelho médico para tratamento de pessoas com câncer em sua clínica, a Crio não poderia ser considerada consumidora por equiparação.

Empresas de porte

Quanto à aplicação do CDC ao caso, a ministra Nancy Andrighi destacou que as duas Turmas do STJ especializadas em direito privado estão adotando o entendimento firmado na Segunda Seção, no sentido de que “a aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo e, sim, como atividade de consumo intermediária”.

Porém, observou a relatora, esse entendimento tem sido abrandado “em situações nas quais fique evidenciada a existência de clara vulnerabilidade da pessoa física ou jurídica adquirente de produto ou serviço, mesmo que, do ponto de vista técnico, ela não possa ser considerada destinatária final”.

Como exemplos, citou o caso da costureira que compra máquina de bordar para utilizar em seu ofício e do caminhoneiro que adquire veículo para trabalhar, e até mesmo do pequeno agricultor que compra sementes.

Para a ministra, no entanto, as informações trazidas pelo processo mostram que tanto a clínica quanto a representante comercial são empresas de porte considerável, com atuação destacada em seus segmentos de mercado, o que afasta a hipótese de vulnerabilidade econômica.

“Do ponto de vista técnico, a hipossuficiência igualmente não se verifica. Ambas as empresas atuam no mercado de tratamento do câncer, tendo condições de conhecer com profundidade os produtos utilizados nessa atividade”, acrescentou a ministra.

Responsabilidade do representante

No recurso especial, a Radiaton alegou também que o TJCE, ao considerá-la responsável pelo negócio não concluído, teria violado o artigo 1º da Lei 4.886/65, que regula a representação comercial. Sobre esse ponto, a relatora afirmou que o negócio foi fechado antes da vigência do novo Código Civil, e portanto o caso deve ser resolvido exclusivamente à luz da Lei 4.886.

Com base nessa legislação, Nancy Andrighi afirmou que “o representante comercial age por conta e risco do representado, não figurando, pessoalmente, como vendedor nos negócios que intermedeia”. Assim, segundo a relatora, “não se pode imputar a ele a responsabilidade pela não conclusão da venda decorrente da falência da sociedade a quem representa”.

De acordo com a ministra, ainda que a Radiaton não seja a vendedora da mercadoria oferecida pela empresa norte-americana, ela presta um serviço pelo qual é devidamente remunerada. A exemplo do que faz um corretor, aproxima as partes e intermedeia a venda, fazendo jus à comissão devida apenas quando há conclusão do negócio.

“A entrega da coisa, portanto, que não foi possível por fato alheio, tanto à vontade da Crio como da Radiaton, deve produzir os respectivos efeitos para ambas as partes”, acrescentou.

Devolução

Por essa razão, não sendo possível a devolução total do valor pago pela clínica oncológica pela aquisição da máquina não entregue pela sociedade estrangeira falida, é possível determinar que a representação comercial devolva sua comissão, já que o negócio não foi realizado, e restitua, ainda, o montante que não foi repassado à empresa falida.

“Vale dizer: todo o montante do preço pago que tiver integrado o patrimônio da Radiaton deve ser devolvido”, concluiu a ministra, esclarecendo que eventuais remessas à firma estrangeira devem ser provadas pelo registro de transferência bancária no Banco Central ou por anotações legalmente lançadas na contabilidade.

Quanto aos valores que tenham sido efetivamente entregues à JM Company, a ministra disse que só poderão ser recuperados com a habilitação da credora na falência da empresa ou por outra via admitida na legislação estrangeira.
 


Fonte - Superior Tribunal de Justiça - Coordenadoria de Editoria e Imprensa
 
 
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